
Vôvô Bartolomeu
Vôvô Bartolomeu desde manhãzinha que olhava o pardacento céu, enrugando a já bem
engelhada testa.
– Vôvô , que é que você está a ver no céu?
– Estou vendo uma coisa que você vai ver só, logo no meio-dia, e que a estas horas já chegou lá
no sô Luca.
– Que é que tem lá no sô Luca?
– Diga nos homens para trabalhar com pressas, senão você vai ver só: ninguém que pára com
chuva.
E vôvô Bartolomeu entrou arrastadamente na cubata, donde saía um fumo bem de fogueira
quente. Ainda o ouvi cantar
Mano Santo iá Kifumbe
Eh! Eh! Eh! Eh!
– Eh! pessoal! Vamos despachar o serviço. Vôvô Bartolomeu disse que vai vir chuva.
E todo o pessoal começou a trabalhar com força, para acabar de recolher o milho, quase para o
meio-dia.
A colheita não tinha sido má, e para este ano havia de pagar todas as contas e ainda sobrava
dinheiro para dar o alembamento da filha do velho Gonga.
(...) Aquele milho bonito que devia dar pra pagar as contas do alembamento. Ainda devia chegar
pro imposto e escapar de ir no contrato. Se o imposto subiu? Não sei, mas parece que este ano o
imposto está mais caro! Depois tinha de comprar fiado um sobretudo na loja do sô Maganlanji.
(...) Ficou tudo escuro. O pessoal estava satisfeito, mesmo nunca na minha vida ficara tão
contente. Se vendia milho ia amigar com a filha do velho Gonga.
(...) Nisto, do céu caiu um raio e caiu mesmo em cima da cubata que tinha o milho e tudo
começou a queimar. Eu, o pessoal, as mulheres, a garotada, e o vôvô Bartolomeu viemos para fora,
sem medo da chuva que chovia, para apagar o fogo. Qual nada! O milho queimou mesmo.
(...) Estava a olhar as cinzas e nos olhos veio água, muita água de chorar, que não era chuva,
não.
Vôvô Bartolomeu ficou muito grande, rijo, muito grande, pôs-me a mão no ombro e disse:
– Sorte de preto!
Olhei o meu arimbo. Meus pés descalços pisaram bem aquele chão, aquela terra que cheirava a
chuva e era toda minha. No meu nariz entrou a força toda que vinha da terra grande. A chuva corria
como o rio lá ao fundo naquela baixa. E os paus de café estavam lavados, estavam verdes,
estavam bonitos, bonitos e novos como a ilha do velho Gonga.
Não, eu não ia ficar assim parado a pensar na sorte de preto que vôvô falou. Não. Aquela terra
tinha força. Eu também.
Amanhã eu ia mesmo, com a minha força toda, limpar a lavra do café
In “Vôvô Bartolomeu”, excerto
Author | António Jacinto |
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Publisher | Editora das Letras |
Edition no. | 3 |
Year of publication | 2015 |
Page numbers | 25 |
Format | Livro Brochado |
Language | Portuguese |
ISBN | 9789897620003 |
Country of Origin | Angola |
Dimension [cm] | 23 x 16 |
About the Author | António Jacinto é o pseudónimo literário do poeta António Jacinto do Amaral Martins; Trabalhou durante alguns anos como escriturário, desenvolvendo nessa altura actividades literárias e patrióticas. |
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